A cada ano, a população de animais domésticos vem crescendo no Brasil, chegando, em 2023, a mais de 168 milhões de pets, chegando à situação em que há mais lares com animais domésticos do que crianças. Naturalmente, isso acaba levando ao aumento do número de questões jurídicas referentes a esses animais.
Particularmente, o desfazimento dos vínculos familiares reforça a necessidade de regras para resolver problemas envolvendo a guarda, manutenção e posse dos animais, cada vez mais discutidas nos Tribunais nacionais. As regras tradicionais não se encontram mais em conformidade com a situação de profundo envolvimento emocional dos tutores com seus animais, sendo comum o uso do título “pai/mãe de pet” pelos tutores.
Há uma categoria especial de bens móveis denominada de “semoventes”, que são aqueles capazes de movimento próprio. Assim, os pets, tal como os animais destinados ao corte para alimentação, por exemplo, vinham sendo tradicionalmente tratados como móveis pela Justiça brasileira.
Deste modo, em um divórcio, a situação dos pets de um casal costumava resolvida como uma simples divisão de bens, sem se atentar para um ponto essencial: os animais possuem sensibilidade, motivo pelo qual não podem ser tratados como simples coisas, sendo mais adequado que sejam considerados sujeitos de direito despersonificados. Aliás, essa é a definição que se encontra no Projeto de Lei da Câmara 27/2018, que altera a Lei dos Crimes Ambientais para reconhecer esse status diferenciado.
Esse entendimento começou a mudar na última década, com o reconhecimento do direito de visita a pets pelo ex-cônjuge que não ficasse com a guarda, tanto em atenção aos vínculos emocionais do ex-tutor quanto ao bem-estar do animal.
A Justiça não passou a aplicar o direito de família aos pets, mas entendeu, corretamente, que o direito das coisas não é suficiente para regular as relações jurídicas entre animais domésticos e ex-cônjuges. Do mesmo modo, também não se aplicam aos animais de estimação as regras do Direito de Família, havendo uma lacuna a ser preenchida.
Em contraposição à essa lacuna, o Projeto de Lei 179/2023 cria o conceito de família multiespécie e prevê legitimidade ativa dos pets para postular seus direitos perante o Judiciário, por meio de seus tutores, Ministério Público ou Defensoria Pública, além do direito à pensão alimentícia.
Independentemente dos méritos da proposta, dificilmente ela será aprovada no Congresso Nacional, sendo mais factível o reconhecimento de uma categoria especial – nem objeto, nem pessoa, à semelhança do PLC 27/2018 – para os pets, com uma série de regras relativas à sua integridade física e emocional, o que inclui o custeio da sua manutenção entre ex-membros de um núcleo familiar e direitos de visitação.
Ainda que o Congresso Nacional não chegue rapidamente a um consenso, criando uma legislação que regule o assunto de forma apropriada com os tempos atuais, os Tribunais têm avançado rapidamente no tema, buscando equilibrar o amor dos antigos tutores e as necessidades e sentimentos dos pets.
*Emanuel Pessoa é advogado, mestre em Direito pela Harvard Law School, Doutor em Direito Econômico pela USP, Certificado em Negócios por Stanford, Bacharel e Mestre em Direito pela UFC, além de palestrante e comentarista.
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BARTIRA BETINI NUNES
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